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quarta-feira, julho 10, 2013

Os Rios de Sangue

Aquela suave brisa de verão agitava suavemente os eucaliptos do outro lado da sua casa.
Era verão, e a roupa parecia não durar muito tempo no corpo.
Era de manhã e ela trazia apenas uma t-shirt vestida por cima da roupa interior.
O cabelo, desarrumado, solto, selvagem, mas doce num tom diferente, num tom de amor,
os pequenos pés morenos em bico e os braços debroçados na janela.
O amor, ai o amor, pensava ela para com os seus botões.
Era dificil não pensar no passado, o seu coração não era propriamente puro,
já sofreu, já chorou, e já se cortou inumeras vezes,
mas existe sempre aquela fé,
que a faz estar à janela, como a velha carochinha,
procurando uma história fabulosa,
um romance memoravél, algo que a fizesse rir por entre uma cerveja,
num futuro próximo, depois do emprego, nada de sério,
mas que fizesse o seu coração bater mais depressa, e mais devagar de novo.
Ela não queria muito, mas talvez pedisse demais.
Uma suave brisa atira o cabelo para frente do olhar, a sua mão rapidamente o afasta.
Grupos de rapazes vêm da praia, morenos e musculados, e o coração dela palpita.
Olhares, sorrisos, talvez uma promessa de amor.
Mas o seu olhar baixa.
Não prestas, és horrivel, és gorda, quem é que poderia amar um pote de banha como tu?
E mais uma vez ela se corta, e mais uma vez ela não chora, só fica ali, de olhar vazio, perdida.
Mas hoje, os fantasmas continuavam, e mais se cortava, mais se cortava.
Os lenços já não continham os rios que fluíam, transbordavam.
O vermelho, a cor da sedução, foi a ultima coisa que se recordou.
O piscar de luzes a acordou-a, estava numa maca, deitada, sem forças,
como se fosse transportada para o purgatório.
Eu matei-me? Perguntava ela, a ideia parecia sedutora na sua cabeça, assim não sofria mais.
Blá blá, o médico falava, blá blá, falavam os pais, preocupados.
Para ela preferia que os rios continuassem até desaguarem no mar, e que esse mar fosse
a eternidade. Foi puxada para um grupo de pessoas que tentaram o suicidio, para conversar e
talvez fazerem-na desistir da ideia, mas os fantasmas não se calavam.
É aqui que pertences, galdéria imunda, és pior que estas pessoas aqui, és um insecto ao lado
delas.
Como te chamas minha jovem? Perguntava a senhora simpática, com as maças do rosto coradas de velhice.
Eu chamo-me Cristina, respondeu ela, num tom perdido.
Conta-nos a tua história, pediu a senhora.
A falta de fé batia na pronuncia, o ódio por ela mesma estalava na lingua durante as palavras.
Mas as pessoas aplaudiram.
Parabens Cristina, não é bom se sentir viva?
O resto foi blá blá blá...
Olá, eu chamo-me Eduardo e tentei o suicidio. Parecia pequena a distância, entre a vida e o seu fim.
Dizia o rapaz de óculos, que, sentado no fundo, Cristina nem tinha visto.
Acho que posso dizer que aprendi muito ao sobreviver, talvez fosse o plano Dele para mim, viver.
Fiquei a saber que sou forte, senão não sobrevivia. Diz ele, entre risos com o grupo, Cristina não se pode
ajudar e soltou um riso sentido.
Mas o que eu aprendi mais, é que apesar disto tudo, continuo a ser a mesma pessoa de sempre, com os meus demónios e fantasmas.
Mas vocês estão aqui para perceberem porque é que devemos de nos levantar da cama todos os dias e lutar.
Eu tambem gostava de saber porque, mas ficar na cama não vai ajudar, o mundo é feio e injusto,
mas nós tambem somos! Vocês sabem o quanto fizemos sofrer quem nos ama, a minha mãe ficou a noite toda na sala de espera
apenas com uma sandes no estomago, o meu pai não dormiu durante a semana que fiquei a recuperar da operação.
A minha irmã, que sempre me detestou, manteve-se ao lado da minha mãe e não a deixou ir abaixo o tempo todo.
Eduardo entra no campo de visão de todos.
Parti as duas pernas, mas ganhei amor pela vida.
Cristina chorava, perdida.
Tu, sim tu, tu és linda, queres sair comigo? Perguntou Eduardo a Cristina.
Eu não sou linda, diz Cristina mostrando-lhe as cicatrizes.
Não é isso que te define, é isto, diz Eduardo, apontando-lhe o dedo ao coração.
Mas Eduardo nunca apareceu, e mais tarde soube-se que foi atropelado, ao salvar a irmã.
O choque fez com que os seus pais recuassem na decisão de a porem no grupo.

A brisa não soprava, os eucaliptos encontravam-se imoveis. Eram 18 horas da tarde e a roupa parecia não durar no corpo.
Os pés morenos em bico e os braços debroçados sobre a janela.
Mais um grupo de rapazes passava naquele dia, ainda mais morenos, ainda mais musculados.
Olhares, sorrisos, talvez desta vez a promessa de felicidade fosse para valer.
Mas não.
És feia, és gorda, és uma inutil.
a lamina estava perto do pulso onde as cicatrizes residiam.
Não é isso que te define, é isto, recordava Cristina.
Balançou e atirou a lamina avermelhada de sangue pela janela.
Calçou os chinelos e desceu as escadas a correr num flac flac flac flac.
O pôr do sol era bonito, tons laranja contrastados com os tons do oceano.
Cristina olhava o pôr do sol como algo que nunca tinha visto.
Como se tivesse quase perdido aquela pedra preciosa.
Atirou-se ao mar, molhando o corpo esguio e moreno sobre as ondas do mar.
Um corpo flutuava no mar. Cristina pegou nele e trouxe-o à costa.
Após ter feito respiração boca a boca, conseguiu que o rapaz respira-se. Este levantou-se, rancoroso
Porque é que fizeste isso? Eu queria morrer! Tenho os meus direitos! Gritou o jovem
A mão balançou de encontro à cara dele, um estalo bem forte, dois estalos, três estalos.
As lágrimas cairam-lhe e a voz soltou-se, num grito solto, que tinha reprimido à muito muito tempo
O jovem abraçou-a, em silêncio.
O silêncio estendeu-se, pois qualquer palavra caíria na escuridão num momento daqueles.
Eu achava que não valia a pena viver, só sofrimento, só dor e desilusões, experimentei todas as
drogas, para tentar sacar algo bom disto tudo, mas não deu com nada... Acho que nem a escolher a droga
que compro sou alguma coisa... Devia apenas de desaparecer, ninguem sequer notaria...
Fazes falta a mim, diz Cristina, num tom tão surpreso, como se até ela estive surpreendida com o que disse
Que tal se viessemos à praia juntos amanhã? Não tenho muitos amigos e seria uma boa experiência, disse o jovem
Claro, gostava imenso, mas e isto? Perguntou Cristina, mostrando-lhe os pulsos
Não me importo
Não?
Não
Esta bem
Entao.. Está combinado?
Sim, acho
Amanha às 14 aqui?
Claro
Fico à espera
Eu tambem
Chamo-me Cristina
Prazer, Bernardo.
Bem, já é tarde
Pois é, tenho que fazer o jantar
Eu tambem
A sério? Cozinhas?
Um pouco
Gostava de ver isso um dia
Não de me gabar mas faço um optimo risotto
Tens que provar o meu arroz de pato!
Estou ansioso por isso! Adoro arroz de pato!
Ai Bernardo, és um máximo!
Parece que sou mesmo!
Não duvides!
És mesmo linda sabias?
Linda? Tenho mamas pequenas e cara de mula
Não tens nada
Tenho sim! Olha aqui, diz Cristina, juntando as maças do rosto e fazendo uma careta
E riram os dois,

Acreditas em amor à primeira vista?
Posso dizer que sim
A sério?
Sim, acho que sim, porque?
Ahh porque... Porque...
És capaz de te calar e dar-me um beijo? Tou farta de esperar.

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